CAMPOS DE VÁRZEA
Campos de Várzea
- “Palowa! Corre, filha! Já estamos atrasados! Seus irmãos já estão lá fora, o ônibus já tá saindo!
É sempre assim pra tirar essa menina da beira do campo! Só no último minuto, se fosse homem
com certeza seria jogador”.
Então, eu gritava:
- “Goleiro mãe, como papai!
E aí eu entrava no ônibus da excursão, isto já à noite, quando todos os jogadores estavam lá dentro
e a torcida com seus instrumentos lá no fundo cantando. E, com certeza, ainda havia sobrado um
pouco do frango com farofa da minha mãe, a macarronada da Vovó Ivone, um pouco de K-suco,
batida de coco e a festa continuava até em casa.
Foi assim que eu cresci, vendo meu pai, tios, primos e amigos todos os domingos reunidos nos
campos de várzea. Ali famílias inteiras se encontravam. Mulheres e crianças sentadas na grama,
acomodadas nos barrancos.
Crianças a brincar ao lado do campo. Ser gandula era uma honra.
Os campos eram vários e me lembro de alguns. Paissandu, Ferroviário, Santa Cruz, Instituto
gronômico, Comerciários (esse tinha arquibancada e vestiário), Borges, Mineirinho, Pompéia,
Serra Verde, São Bernardo, União... e Sultzer, esse no fundo da casa do meu avô materno,
Pai Pedro! O time que eu amava de paixão.
Também éramos uma família. “E o meu pai era o maior goleiro do mundo. Ele até tinha até jogado
no profissional!”
Todos esses times existem até hoje simplesmente pela garra, resistência de homens e mulheres, de
famílias inteiras que lutam bravamente para garantirem o único momento de lazer de tantos. Sem
nenhuma presença do poder público, os campos foram resistindo à ocupação desordenada, à
especulação imobiliária.
Muitos craques foram descobertos nesses campos, como Toninho Cerezo no Ferroviário, muitas
crianças tiveram destinos alterados. Afinal, as drogas e o vício não combinam com o futebol e,
mesmo sem nenhuma forma didática, a pelada de domingo, as brincadeiras no campinho durante
a semana são uma grande arma contra o tráfico e a violência. O esporte que os meninos e meninas
da periferia têm acesso é o futebol de várzea. Nos bairros mais carentes dessa cidade é no campinho que se aprende respeito, solidariedade, companheirismo, amizade, fraternidade, dignidade.
Quando o poder público vem anunciar que pretende vender esses espaços de convivência só nos faz
constatar o descaso com a periferia, com a população que nela vive, com a cultura de nossa cidade.
Esse povo, que já não tem acesso a nenhum outro esporte, já que temos pouquíssimas quadras
públicas e nenhum espaço público destinado a atletismo e natação, por exemplo, fica agora
ameaçado de perder o futebol gratuito. Bola agora só pagando quadras, campos society ou ficando
sócio de clubes caros.
A justificativa usada é uma das mais cruéis: vender o campo para com o dinheiro construir moradias
através do Programa do Governo Federal, que faz o sonho de muitos brasileiros se tornar realidade,
o “Minha Casa, Minha Vida”. O belo-horizontinho terá que escolher entre morar e ter lazer, ambos
direitos constitucionais, que deveriam estar integrados e nunca sobrepostos.
Espero muito que um dia o Poder Público entenda que investir no esporte, seja ele qual for, que
respeitar a cultura local, que integrar educação, esporte, cultura e lazer é a verdadeira ferramenta
para continuarmos revolucionando o país pelo social.
Palowa Mendes 21/08/2012
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